quarta-feira, 20 de julho de 2011

A corrida da Rainha de Copas e a Evolução biológica

Uma passagem bastante notável do livro Alice Através do Espelho (a sequência para o mais popular Alice no País das Maravilhas) remete a uma corrida proposta pela Rainha de Copas, onde Alice, apesar de correr o máximo que pode, sempre se mantém no mesmo lugar. A Rainha de Copas, ao ser indagada por que as pessoas não se deslocavam durante a corrida, responde enfaticamente: “Como você vê, aqui é preciso correr o máximo que puder para ficar no mesmo lugar. Se você quiser parar em qualquer outro lugar que não este, vai precisar correr pelo menos duas vezes mais rápido!

A corrida da Rainha de Copas

Essa “corrida sem sair do lugar” inspirou (e denomina) uma importante hipótese evolutiva, a hipótese da Rainha de Copas (Red Queen hypothesis). Imagine a seguinte situação hipotética:
Em um determinado ambiente há dois organismos (vamos imaginar um vegetal qualquer, e a lagarta que o preda). Estas duas espécies estão em uma constante luta pela sobrevivência. A planta, imposta aos constantes ataques das lagartas, precisa desenvolver meios de repelir o ataque do predador (produzindo toxinas que a tornem venenosa, por exemplo). A lagarta, por sua vez, precisa encontrar estratégias evolutivas para sobrepujar a toxina da planta (ou seja, tornar-se resistente ao veneno).
Tracemos uma linhagem hipotética de como as coisas mudariam com o passar do tempo:

1)   Num primeiro momento, a maioria das plantas da espécie possuem níveis baixos de toxina (vamos chama-las de plantas palatáveis). Apenas alguns indivíduos possuem a predisposição genética para serem mais tóxicos. A população de lagartas também possui níveis variados de resistência ao veneno (umas mais, umas menos). Nessa situação, as lagartas vão sistematicamente predar as plantas menos venenosas (uma vez que as plantas mais tóxicas repelem as lagartas efetivamente). Desse modo, a população de plantas palatáveis vai reduzir em quantidade (uma vez que elas são sempre devoradas), até se extinguirem. Restarão apenas as plantas mais venenosas, que seguirão se reproduzindo, até que restem apenas plantas tão tóxicas quanto elas.

2)  A partir daí, as lagartas se deparam com um problema: agora, num ambiente onde só há plantas venenosas, apenas as lagartas resistentes ao veneno sobrevivem (as lagartas suscetíveis à toxina da planta morrem envenenadas). Assim, a população de lagartas suscetíveis se extingue, e restam apenas as lagartas melhor adaptadas. Neste momento, as populações estão de novo equilibradas, como no primeiro momento. Ou seja, a evolução agiu como na corrida da Rainha de Copas. Os organismos mudaram, mas as populações no fim se mantiveram “no mesmo lugar”!

3)  Novamente, as lagartas voltam a atacar a população de plantas, de modo que, para sobreviver, as plantas precisam desenvolver níveis mais concentrados de toxina. Esses indivíduos mais tóxicos são selecionados e passam a ser o componente principal da população (exatamente como nas etapas anteriores).

Daí por diante, vamos observar um ciclo nessas nossas populações hipotéticas: as plantas se tornando cada vez mais venenosas, as lagartas cada vez mais resistentes, como numa corrida armamentista (que aliás é outra maneira a que podemos nos referir à teoria da Rainha de Copas). E esse processo de evolução, onde um organismo seleciona o outro (ou seja, o grau de toxinas da planta seleciona as lagartas mais resistentes, e vice-versa) chama-se coevolução. Para que as populações não entrem em extinção, é necessário que surjam novas características, (no caso das lagartas, adaptações para competir com a presa, por exemplo). Essas características poderiam surgir como mutações de genes que viessem a propiciar mais resistência, ou comportamentos que permitissem a nossa lagarta fictícia contornar os meios de defesa da planta hipotética.
Pois bem. Saindo do “País das Maravilhas” da nossa população de faz-de-conta, vamos ver um exemplo real desse quadro: o clássico exemplo da borboleta-monarca (Danaus plexipus) e da asclépia, a planta da qual suas lagartas se alimentam (Asclepias curassavica):


À esquerda, a asclépia (Asclepias curassavica); no centro a lagarta da monarca (Danaus plexipus); à direita, a monarca adulta, se alimentando do néctar de uma lantana (Lantana camara). 


A asclépia é uma planta que produz um látex (aquele “leite” que sai de algumas plantas quando quebradas) bastante tóxico para as lagartas da monarca. Para se alimentar das folhas da asclépia, as lagartas precisam ter uma certa resistência ao veneno. Mas além disso, estas lagartas desenvolveram uma estratégia comportamental que, para uma larva, é no mínimo genial: as lagartas, antes de comerem a planta, fazem um corte na base das folhas, e esperam até que o látex escorra caule abaixo (levando a maior parte das toxinas com ele). Assim, elas ingerem uma quantidade muito menor de veneno ao consumirem a planta!
Não se sabe muito bem como a coevolução agiu para que surgisse o veneno da asclépia, ou a tolerância das lagartas da monarca, ou mesmo o comportamento de alimentação que essas lagartas exibem. Pondera-se apenas que os dois organismos, ao menos em parte, direcionaram a evolução um do outro. Esse é um dos problemas que a hipótese da Rainha de Copas enfrenta: vemos seus efeitos constantemente na natureza, mas é difícil mensurar como a coevolução atua nos organismosNão enxergamos a corrida em si, apenas o constante empate entre seus competidores!
Até pouco tempo: nas próximas postagens, vou lhes apresentar um experimento muito elegante (e muito simples), onde os cientistas conseguiram observar em laboratório alguns efeitos da corrida da Rainha de Copas em tempo real. Mas, por enquanto, fiquemos com nossas lagartas no campo de asclépias...





3 comentários:

  1. Adorei o texto. É de fácil compreensão e muito bem escrito! :)) Ahh! E "Alice no País do Espelho" é maravilhoso!

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  2. Algumas espécies se adaptam facilmente ao ambiente, assim como os seres humanos, mas há outras que não sobrevivem as dificuldades, e acabam morrendo por falta, de não saber que rumo tomar, assim como alguns seres humanos também, morrem depressivos em seus sonhos e objetivos .

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