quinta-feira, 19 de julho de 2012

Um “monumento à ineficiência” – ou o Design Nada Inteligente


A natureza é perfeita. O corpo humano é perfeito. Tão perfeito quanto o corpo de cada animal. Tudo no seu lugar, do melhor jeito que poderia ser. Uma máquina orgânica sem igual. Uma complexidade que nenhum projetista humano jamais poderia conceber. Apenas um projetista perfeito, detentor de todo conhecimento poderia criar uma obra tão perfeita...
... é o que eles dizem. Os defensores da teoria do Design Inteligente (ou Projeto inteligente, ou Desígnio Divino – o diabo tem muitos nomes) afirmam que a dita perfeição de cada organismo não pode ter surgido com fruto de um mecanismo evolutivo (aliás, erroneamente se vincula a ideia de evolução ao fruto do acaso, mas isso é outra história). De fato, a complexidade da vida é vinculada à obra de um criador especialmente inteligente, capaz de projetos assim grandiosos, livres de falhas. E projetados da melhor maneira possível.

Mas será que é assim mesmo? Há vários exemplos da ineficiência de muitos aspectos morfológicos (os problemas nas articulações, decorrentes da postura ereta adotada pelo homem, são uma “falha” no “projeto”, frequentemente citada). Mas esse que vou apresentar certamente ganha o prêmio de projetista inexperiente:

Todos os tetrápodes (animais com quatro patas, ou seja, anfíbios, mamíferos e répteis, incluindo aves) possuem um nervo – o nervo laríngeo recorrente, ou NLR – responsável por, entre outras coisas, coordenar sinais e estímulos entre o tronco cerebral e a laringe. Uma de suas principais funções é coordenar a deglutição e a aspiração, para que os alimentos e a água não entrem traqueia abaixo, pulmão adentro. Em palavras simples, ele é um nervo de vital importância.
Esse nervo se forma quando o animal ainda é um embrião. Desce do tronco cerebral em direção ao coração, contorna o arco aórtico, e volta em direção ao seu alvo original, perto da laringe.

No esquema, o nervo laríngeo recorrente aparece em branco, passando em volta do arco aórtico (a curva espessa representada em preto).

Quando o embrião está em formação, a laringe e o arco aórtico estão próximos um do outro. E é aí que a cagada no projeto começa a aparecer: quando o animal se desenvolve, o coração e a laringe vão se afastando um do outro (porque o pescoço começa a se formar). Isso faz com que o coração, à medida que se afasta da laringe, vá esticando o nervo laríngeo recorrente (NLR). Essa volta que ele faz em torno do arco aórtico faz com que o nervo tenha virtualmente o dobro do comprimento que teria, se simplesmente fosse do tronco cerebral até a garganta, sem dar essa voltinha lá pelas bandas do coração.
Em humanos, em princípio, isso não é um problema, afinal nosso pescoço é curtinho. Mas dá uma olhada nesse cara, e imagina o tamanho do problema:




As maiores girafas têm pescoços de cerca de 2,4 metros. Faça a conta comigo, e você concluirá que o NLR de uma girafa grande chega a quase 5 metros! Isso é que é desperdício na hora de fazer a fiação elétrica do bicho...
Mas a coisa não para por aí. Voltemos à anatomia básica. Quando o cérebro precisa enviar impulsos para uma determinada parte do corpo, ele muitas vezes se vale de uma ligação direta, ou seja, um neurônio (ou um feixe de neurônios) que se estenda até onde o estímulo precisa chegar. Por exemplo, os nervos faciais possuem neurônios que podem ter vários centímetros de comprimento, ligando o cérebro às muitas partes do rosto.
Repito: vários centímetros. Um neurônio. Uma CÉLULA, com vários centímetros. Louco, né?
Mas fica ainda mais. O NLR, também é um feixe de neurônios, extremamente alongados, que vão do cérebro a seu destino. E o NLR de uma girafa chega a quase CINCO metros de comprimento. Ou seja, os neurônios que compõem o NLR também são SUPER-CÉLULAS DE CINCO METROS! Ainda que seja extremamente delgado (microscopicamente delgado, na verdade), um neurônio de cinco metros não é pouca coisa. Fantástico, não?

Mas voltemos aos problemas. Um impulso nervoso normalmente sai de sua origem (de um lado do neurônio), percorre todo o comprimento do axônio (a parte alongada), até chegar a seu destino. E a velocidade desse impulso é constante, via de regra. Assim, quanto mais longo o caminho que o impulso tiver que percorrer, mais lenta será a resposta. Um nervo de dois centímetros terá uma resposta muito mais rápida, se comparado a um nervo de cinco metros. Isso traz uma consequência, por exemplo na hora de coordenar uma deglutição. Quando uma girafa engole, ela precisa coordenar dois nervos: o nervo laríngeo recorrente (nosso amigo NLR de 5 metros), que fecha a entrada da laringe (bloqueando a entrada para o pulmão); e o nervo laríngeo superior (NLS), que controla a contração da faringe (empurrando a comida esôfago abaixo). Se esse controle não for preciso, e o nervo laríngeo superior mandar o bicho engolir antes de o NLR fechar a laringe, a comida vai em direção à traqueia, e o animal se engasga. E uma girafa engasgada é dose! A questão é que esses nervos diferem em tamanho. Enquanto o NLR tem 5 metros, devido àquela volta enorme pelo arco aórtico, o NLS é curtinho, com menos de um metro. E sua resposta acaba sendo mais rápida que a do NLR. Assim, a coordenação entre esses dois nervos é bem mais complicada que parece.

Mas por que não complicar mais? A girafa tem um pescoço longo, mas vamos piorar o quadro? Saca esse sujeito aqui:

Saurópodos estão entre os dinossauros mais famosos, devido a este baita pescoção. Esse da ilustração, o Supersaurus, tem o pescoço estimado em 14 m. Multiplicando por dois, isso dá um nervo laríngeo recorrente de vinte e oito metros. Com neurônios de VINTE E OITO METROS. E tu achando que o pescoço da girafa era comprido, né... Se pra uma girafa, a coordenação motora na hora de engolir já era difícil, imagina esse cara.

Figura comparando o tamanho relativo do NLR entre um humano, uma girafa, e um saurópode.


Se o designer tivesse sido um pouco mais inteligente, teria feito o nervo ir do cérebro até a garganta, apenas, sem dar toda essa volta pescoço abaixo, e pescoço acima.

Essa situação ilustra como a evolução, apesar de parecer perfeita, está extremamente amarrada a questões de desenvolvimento embriológico. Pelo mero motivo de o coração e a faringe estarem próximos um do outro, quando no embrião, esse monumento à ineficiência morfológica se forma. E a evolução teve que dar um jeito de fazer as coisas funcionarem. Qualquer designer faria diferente, encurtando o caminho do nervo. Mas a evolução não é um designer. E exemplos como esse, na verdade, reforçam que não há de fato nenhum designer projetando a vida.

O nervo parece ineficiente, a morfologia não é a ideal, e o resultado não é nada perfeito. Mas o animal funciona (ou funcionou, no caso do Supersaurus). Pra mim, isso é mais fantástico que qualquer engenheiro projetando a natureza.



2 comentários:

  1. Agora está explicado porque razão os saurópodes foram extintos!

    É um ótimo exemplo, acho que humanos são simplificadores de sistemas complexos, não conseguimos processar tanta informação pois nosso pensamento é sistemático, e o universo é caótico.
    É uma maneira reconfortante ao nosso ego achar que tudo isso é feito por nossa existência, por nossa causa. Isto porque nós somos egoístas tanto quanto indivíduos quanto por grupos, mesmo pq isso nos permitiu evoluir desde muito antes de nosso gênero. Mas isso também faz com que nosso pensamento tenha "dead ends" que nós não conseguimos lidar.

    É muito mais fácil ler UM livro do que ler TODOS.

    De qualquer forma mesmo a ciência tem seus limites, pois nosso pensamento e conhecimento são limitados. Ainda vemos muitas vezes apenas um lado de várias moedas e o universo tem bilhões delas.

    ResponderExcluir
  2. Só faltou você apresentar uma evidência contra a evolução. Esse é, na verdade, o sonhos dos crentes criacionistas. E, caro amigo, sonho não é evidência.

    ResponderExcluir